Como identificar e conversar com um paciente para tratamento com cannabis medicinal
A aceitação da Cannabis medicinal está crescendo entre pacientes brasileiros.
Em uma pesquisa realizada recentemente pela revista Exame, 78% das pessoas entrevistadas disseram serem favoráveis ao uso medicinal da planta.
Apesar desse alto índice, conversar com o paciente no consultório sobre esse assunto pode não ser algo tão simples.
Por isso destacamos algumas informações importantes que podem te ajudar a abordar esse tema – e levar mais qualidade de vida a todos os pacientes.
1. Um sistema endógeno feito para a Cannabis?
Nosso corpo possui um sistema fisiológico (o Sistema Endocanabinoide) que tem, em sua principal função, a homeostase. Esse sistema é constituído por ligantes (os endocanabinoides) e receptores (CB1 e CB2, espalhados por todo o corpo, mas presentes em grande quantidade no cérebro humano) e por enzimas que metabolizam os endocanabinoides.
A planta Cannabis Sativa L. produz compostos químicos que mimetizam esses endocanabinoides. Esse é um dos principais motivos porque a Cannabis apresenta um grande potencial de controle de diversos sintomas e patologias. Contudo, é importante ressaltar: Cannabis medicinal não é panaceia! É fundamental reforçar com o paciente a importância do acompanhamento médico e do diálogo com o profissional de saúde sobre a sua adaptação ao tratamento e quais as suas expectativas.
2. Não existe morte registrada por overdose de Cannabis
A Cannabis é utilizada há milênios e seu uso medicinal está registrado em livros médicos de 2.000 anos AC, contudo, não existe morte registrada na literatura sobre overdose de Cannabis.
Em um relatório de 1988 do DEA (Drug Enforcement Administration, departamento de controle de drogas americano) diz que:
“[…] para induzir a morte, um fumante de Cannabis teria que consumir de 20.000 a 40.000 vezes mais Cannabis do que a contida em um cigarro de Cannabis. Os cigarros de Cannabis fornecidos pelo NIDA pesam aproximadamente 0,9 gramas. Um fumante teoricamente teria que consumir cerca de 1.500 libras (680 kg) de Cannabis em cerca de quinze minutos para induzir uma resposta letal”
A dose letal da cannabis é cerca de 1.000 vezes quando comparamos com a dose terapêutica. Ou seja, apesar do medo, os componentes químicos presentes na planta Cannabis são seguros para consumo humano.
3. O nome do tratamento importa
As palavras são permeadas de sentidos, às vezes muito maiores do que imaginamos, e cada pessoa possui um sentido próprio – apesar de ser parte compartilhada pelo todo. Como se fosse a sua própria edição de um grande dicionário.
Essa abordagem linguística, apesar de trivial, pode influenciar muito na aceitação de um paciente ao tratamento com Cannabis. A palavra Maconha é um anagrama para “cânhamo”, e tem seu uso muito atrelado ao uso adulto e ao tráfico de drogas. Ou seja, é tudo a mesma coisa, mas é diferente.
Utilize apenas terminologias como Cannabis medicinal, terapia canabinoide, produtos à base de cannabis ou até mesmo uso de canabinoides (os principais componentes químicos da planta). Isso pode ajudar muito na aderência ao tratamento, e munir o paciente para falar corretamente e sem estigmas sobre isso com seus familiares e amigos.
Além dos pacientes, os médicos que prescrevem a cannabis medicinal tornam-se referência sobre o assunto em suas comunidades familiares de amigos e até para a imprensa local. Portanto, o médico é o elemento principal na diminuição do estigma sobre os derivados da planta e deve tratar o assunto com muita seriedade.
4. O tratamento é legalizado desde 2015
O preconceito, o medo e o desconhecimento sobre a legalidade do tratamento com Cannabis pode ser um obstáculo à adesão do paciente ao tratamento.
Tanto o médico quanto o paciente encontram suporte legal para o tratamento com Cannabis medicinal na RDC Nº 335 de 24 de janeiro de 2020, que:
“Define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”
Por isso, é importante o médico ressaltar a legalidade do tratamento, já que a Anvisa reconhece a prescrição de produtos à base de Cannabis desde 2015 para pacientes de diversas idades e patologias.
5. Cannabis e os efeitos euforizantes do THC
Um dos maiores temores dos pacientes em relação à cannabis são os efeitos euforizantes da Cannabis. Porém, apenas o THC apresenta potencial euforizante, dentre todos os outros canabinoides presentes na planta.
Os mais abundantes são o CBD e o THC, sem dúvida. Mas a ciência também mostra que o CBD e o THC são antagonistas químicos, e competem no mesmo receptor, por exemplo. Assim, o CBD ajuda a amenizar os efeitos do THC. Nos Estados Unidos, onde em alguns estados o uso adulto é legalizado, doses altas de CBD são usadas em hospitais para minimizar os efeitos do THC.
Outro ponto é que o próprio THC apresenta potencial terapêutico para algumas patologias. Na concentração baixa utilizada para fins medicinais, ele ativa e potencializa os outros componentes da Cannabis (efeito entourage ou comitiva) e desempenha um papel fundamental no tratamento de patologias como dores em geral (até mesmo as neuropáticas), já que ele altera o limiar de dor do paciente e faz do incômodo algo mais tolerável.
6. O paciente é corresponsável por seu tratamento
O Sistema Endocanabinoide é como uma impressão digital, cada pessoa possui o seu, com suas peculiaridades. Portanto, é impossível tabelar uma dosagem por peso, idade ou sexo do paciente.
Mas, então, como o médico faz a titulação dos produtos? No caso dos produtos à base de Cannabis, o médico instruirá o paciente de como encontrar a sua dosagem ideal, sendo o paciente corresponsável por seu tratamento.
É claro que existe uma forma de fazer isso acontecer. Chamamos comumente de “start slow, go slow”, ou “comece devagar, suba devagar”. O médico indica que o paciente comece com uma dosagem baixa e vá aumentando a titulação de acordo com a necessidade de cada paciente e como ele responde àquela dosagem, até que se encontre a dose ideal.
Neste artigo temos uma referência sobre a dosagem e titulação de canabinoides em dor crônica, mas que pode ser utilizada com segurança em praticamente todas as outras patologias em adultos:
Quanto aos efeitos colaterais, eles são mais contornáveis do que se pode imaginar. São todos dose dependente e, em sua grande maioria, causados pelo THC. Geralmente os pacientes podem apresentar uma leve sonolência e alteração do padrão de evacuação.
Aqui na Remederi nós podemos te instruir com mais profundidade sobre o manejo terapêutico de seus pacientes, bem como te munir de mais informações técnico científicas sobre a Cannabis medicinal.
7. A Cannabis é só mais um tratamento
Muitos pacientes chegam ao consultório buscando a Cannabis como uma solução miraculosa para sua patologia. Mas, não existe milagre nisso, apenas a ciência e a resposta biológica a um componente fitoterápico de uma classe terapêutica nova.
É de suma importância alinhar as expectativas do tratamento com o paciente, para que ele saiba o que esperar de um tratamento a curto, médio e longo prazo com a Cannabis.
8. O mais importante: Escute o paciente
Muitos pacientes procuram por um profissional em quem possam confiar e a forma como são tratados conta muito na construção desta relação.
Logo, para manter o relacionamento saudável, é preciso que o médico atue com empatia, tendo a capacidade de compreender a realidade do paciente, do ponto de vista do paciente.
Em outras palavras, quando o médico se identifica com outra pessoa ou com a situação vivida por ela, consegue conduzir a situação de maneira que transmita positividade e otimismo, mesmo nas situações mais delicadas.
Aborde o tema de forma amigável e vá sentindo a abertura para a possibilidade do tratamento com Cannabis.
Indicações para tratamento com cannabis medicinal
O sucesso no tratamento com cannabis para diversas patologias fez com que o número de solicitações para importação destes produtos aumentasse de forma acelerada no país.
Segundo dados da ANVISA, houve um crescimento de mais de 2.400% no número de pedidos em 6 anos (média de 400% ao ano).
A Agência informou que os pedidos passaram de 896 no ano de 2015 para 19.074 em 2020, e, até meados de setembro de 2021, já houve 22.028 pedidos de importação de produtos derivados de cannabis por pacientes para fins terapêuticos.
Logo, a cannabis medicinal vem sendo utilizada com segurança para diversas situações clínicas, tais como, epilepsia, autismo, transtornos ansiosos (depressão, ansiedade, insônia), dor crônica, fibromialgia, inflamações, enxaqueca, doenças neurodegenerativas (Alzheimer e Mal de Parkinson), entre outras.
Dr. Wellington Briques – Médico, pesquisador, Diretor Médico Científico da Remederi, Professor da Cannabis Academy, e Diretor do Centro Brasileiro de Referência em Medicina Canabinoide
Ficou com alguma dúvida em relação à Cannabis medicinal?
A Remederi oferece suporte técnico, cursos de formação e material científico para os médicos que estão interessados em atuar neste novo ramo da Medicina.
Você pode falar diretamente conosco pelo canal de suporte ao médico, através do nosso email medicos@remederi.com