Cannabis Medicinal

Entre Ciência e Ética: A Urgência de Integrar a Cannabis Medicinal aos Cuidados Paliativos

A missão central dos cuidados paliativos é preservar a qualidade de vida de pacientes com doenças graves, oferecendo alívio da dor e suporte integral às dimensões física, emocional e espiritual. No entanto, muitos sintomas que acompanham essas trajetórias permanecem refratários às abordagens convencionais. Dor crônica, náuseas, espasticidade, insônia, ansiedade e perda de apetite ainda representam desafios que limitam a autonomia e a dignidade dos pacientes. Nesse cenário, a cannabis medicinal surge como uma alternativa terapêutica promissora, capaz de complementar o arsenal existente e ampliar as possibilidades de cuidado. A dor, um dos sintomas mais prevalentes nos cuidados paliativos, costuma ser manejada com opioides, mas os efeitos adversos como náusea, constipação, delirium, tolerância e dependência reduzem a adesão e a efetividade a longo prazo.  Evidências recentes indicam que a combinação de fitocanabinoides, como THC e CBD, potencializa a analgesia, reduz a necessidade de escalonamento de opioides e melhora o perfil de segurança. Pacientes com dor neuropática e oncológica relatam maior conforto funcional quando a cannabis é utilizada como adjuvante.

Náuseas e vômitos 

As náuseas e os vômitos induzidos pela quimioterapia comprometem não apenas o estado nutricional, mas também a dignidade do paciente. O THC, ao atuar em receptores CB1 na zona de gatilho quimiorreceptora, demonstrou eficácia consistente na redução desses sintomas, permitindo melhor adesão ao tratamento oncológico. 

Doenças Neurodegenerativas

De forma semelhante, em doenças neurodegenerativas como esclerose múltipla, doença de Parkinson e demências, a espasticidade e a rigidez muscular deterioram a autonomia.  Estudos internacionais, incluindo recomendações da Academia Americana de Neurologia, reconhecem evidência robusta para o uso complementar da cannabis na redução desses sintomas, promovendo mais mobilidade, menos dor e maior independência funcional.

Distúrbios do Sono

Outro aspecto relevante é o impacto da ansiedade e dos distúrbios do sono. Ensaios randomizados mostraram que combinações de THC e CBD podem melhorar a arquitetura do sono, reduzir sintomas emocionais e restabelecer o descanso reparador, devolvendo qualidade de vida em um momento em que cada noite de sono importa. 

Perda de Apetite

Já a perda de apetite, comum em câncer e outras condições crônicas, pode ser atenuada pelo estímulo do THC nos receptores hipotalâmicos, preservando o estado nutricional e mantendo o ato de se alimentar — que, além de fisiológico, representa um gesto simbólico de conexão entre pacientes e familiares.

Conclusão

Casos clínicos recentes ilustram o impacto prático da cannabis em cuidados paliativos. Pacientes oncológicos em uso de formulações com CBD e THC relataram melhora do sono, ganho de peso e maior tolerância à quimioterapia. Em doenças neurodegenerativas, a associação de canabinoides reduziu rigidez, melhorou mobilidade e permitiu a retirada de fármacos com efeitos adversos significativos. Esses relatos, embora não substituam os ensaios clínicos, dão rosto humano às evidências científicas. Do ponto de vista regulatório, no Brasil a RDC nº 327/2019 da ANVISA regulamenta os produtos à base de cannabis, com restrições quanto à concentração de THC. Em cuidados paliativos, no entanto, admite-se o uso de formulações com níveis mais elevados quando não há alternativas terapêuticas disponíveis. Apesar dos avanços, ainda existem barreiras de acesso que perpetuam desigualdades.  Ética e equidade exigem que a decisão compartilhada e a autonomia do paciente sejam priorizadas, garantindo a oferta de terapias de forma transparente e responsável. Diante do crescente corpo de evidências, integrar a cannabis medicinal aos cuidados paliativos não é apenas uma questão de inovação terapêutica, mas de justiça e humanidade.  Negar a pacientes a possibilidade de controle de sintomas refratários, quando a ciência já aponta caminhos viáveis, significa perpetuar sofrimento desnecessário. Superar preconceitos e reconhecer a cannabis como parte legítima da medicina baseada em evidências é essencial.  Cuidados paliativos são, acima de tudo, sobre dignidade — e dignidade não pode esperar! 

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Autor

Professor Aderbal Silva Aguiar Júnior

Graduado em fisioterapia (UDESC 1998) com especialização (UNIFESP 2006) e mestrado (UNESC 2007) em fisiologia do exercício, doutorado em farmacologia (UFSC) com estágio sanduíche no INSERM/UPMC em Paris. Fez dois pós-doutorados, Bioquímica/UFSC (2011-13) e Neurociências/CNC/Universidade de Coimbra (Portugal). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq 2.

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