Projeto de Lei nº 399/2015: histórico, aspectos legais e tramitação
HISTÓRICO
O Projeto de Lei nº 399/2015 foi proposto pelo deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE) e visa alterar o art. 2º da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), “para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”.
O Brasil permite, desde o ano de 2014, a importação da cannabis medicinal para o uso compassivo de pacientes refratários aos tratamentos convencionais.
Neste ano, os pais de Anny Fischer, então com cinco anos de idade e portadora da síndrome CDKL5 (quadro de epilepsia refratária), conseguiram através do Poder Judiciário, o direito de importar óleo rico em canabidiol – CBD.
Da mesma forma, um grupo de epilépticos do estado da Paraíba consegue, por intermédio do Ministério Público Federal, a primeira liminar junto ao Poder Judiciário permitindo que uma coletividade de pessoas importasse do óleo rico em CBD.
Neste mesmo ano, a Anvisa começa a tomar as primeiras providências no sentido de dar acesso à pacientes e familiares para a importação de produtos derivados de cannabis para utilização medicinal.
Assim sendo, a sociedade brasileira começa a se organizar em grupos de pacientes e familiares que encontraram na cannabis medicinal uma eficiente alternativa para tratamento de graves doenças cujos recursos terapêuticos convencionais não vinham produzindo resultado esperado, tais como, a esclerose múltipla, epilepsia refratária, doenças neuropáticas, dentre outras.
Consequentemente, no dia 25 de fevereiro do ano de 2015 é apresentado na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 399/2015.
Na Anvisa, novas providências no sentido de dar acesso à pacientes e seus familiares à cannabis medicinal são tomadas, tais como, a publicação da RDC nº 17/2015, com normas para importação de medicamentos à base de canabidiol – CBD.
Outra medida de impacto foi a reclassificação do canabidiol, isto é, esse canabinóide foi retirado da lista de substâncias proibidas no Brasil. Com isso, passou a ser considerado como “substância controlada”.
Em virtude da publicação desta RDC, a Anvisa recebe durante o transcorrer do ano de 2015 um total de 902 solicitações de importação de canabidiol, totalizando um número de pacientes em 826.
Desde então, esse número teve um crescimento exponencial.
Atualmente são 18.358 pacientes cadastrados, totalizando 24.941 pedidos realizados (considerando as renovações) até o primeiro semestre de 2020.
Anvisa, Congresso, Ministério da Saúde e Judiciário vêm tomando providências para que produtos derivados de cannabis, cuja utilização terapêutica e medicinal tem sido cada vez mais comprovada através de estudos, pesquisas e práticas cotidianas, cheguem ao acesso cada vez mais amplo para a população em geral.
No ano de 2019, a Anvisa publica a RDC nº 327/19, que:
“dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências”.
Em abril de 2020, é concedida a primeira Autorização Sanitária (AS) para que um produto à base de Cannabis possa ser produzido e comercializado nas farmácias do Brasil.
Como podemos constatar neste breve histórico, a cannabis medicinal sempre foi tratada pelas autoridades brasileiras com o máximo profissionalismo e rigor técnico.
Seguindo uma tendência que se espalha por diversos países, principalmente os EUA e Canadá, todas as providências sempre foram tomadas visando ampliar o acesso da população aos comprovados benefícios que a cannabis medicinal proporciona.
ASPECTOS LEGAIS
No dia 19 de agosto deste ano foi publicado um substitutivo do Projeto de Lei nº 399/15, que:
“dispõe sobre cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de Cannabis spp”.
A nova proposta traz consideráveis avanços em diversos pontos do texto original, tais como, a permissão para o cultivo da cannabis em território nacional para pessoas jurídicas e associações de pacientes.
Outros aspectos importantes são a autorização para o uso medicinal humano ou veterinário, além de tratar a sua utilização para fins industriais, conforme podemos verificar detalhadamente nesta minuta.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, separamos alguns pontos relevantes para nossos leitores. Vejamos:
Apenas pessoas jurídicas legalmente constituídas (empresas e associações), mediante a prévia autorização do poder público, poderão cultivar a cannabis.
O cultivo por pessoa física (autocultivo) continua sendo proibido. Apenas os pacientes ou representantes legais que conseguiram permissão através de autorização judicial podem cultivar.
O Governo também poderá cultivar através das Farmácias Vivas do SUS.
O cultivador será obrigado a requerer ao poder público uma cota que atenda uma demanda específica ou uma finalidade pré-estabelecida.
Logo, a empresa deve estabelecer o número exato de plantas a serem cultivadas, detalhando a quantidade daquelas que são psicoativas, isto é, que possuem o canabinóide THC, e a quantidade daquelas que não possuem este canabinóide.
O projeto de lei estabelece que plantas de cannabis com mais de 1% do canabinóide THC são consideradas “psicoativas”, enquanto que plantas com menos de 1% são consideradas “não psicoativas”.
No que diz respeito ao aspecto industrial, o produtor de cânhamo fica obrigado a fornecer a área de plantio e só pode cultivar plantas que não contenham o canabinóide THC.
Esta modalidade não se confunde com a medicinal e inclui a utilização das fibras da cannabis na indústria têxtil, alimentícia, de construção civil, cosméticos, entre outras.
Neste texto, detalhamos as várias possibilidades de uso industrial e como esta modalidade vem se expandindo pelo mundo.
No que diz respeito à modalidade alimentícia, só serão permitidos produtos que não contenham o canabinóide THC.
Importante frisar que o plantio extensivo, isto é, aberto e de larga escala só será autorizado na modalidade industrial.
A produção obrigatoriamente será inteiramente rastreável, isto é, toda a escala, da semente ao descarte, será mapeada e controlada.
O produtor será obrigado a apresentar um detalhado plano de segurança de cultivo e do local de produção. Da mesma forma, toda a equipe de trabalhadores precisa ser identificada e possuir um responsável técnico legal.
O novo projeto de lei também autoriza a utilização da cannabis em âmbito veterinário. Porém, só é permitido o uso de medicamento “não psicoativo”.
No que diz respeito aos medicamentos, são considerados “psicoativos” aqueles que tiverem mais de 0,3% do canabinóide THC, enquanto aqueles com teor abaixo dessa porcentagem são considerados “não psicoativos”.
As farmácias magistrais poderão manipular medicamentos, desde que possuam autorização especial da Anvisa. As associações de pacientes também ficam autorizadas a produzir produtos magistrais ou fitoterápicos, desde que cumpram as normas estabelecidas no projeto de lei.
Importante frisar que projeto de lei não contempla em hipótese alguma e sob nenhuma modalidade o uso adulto ou recreativo da cannabis.
TRAMITAÇÃO
Foi criada na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial para tratar do Projeto de Lei n° 399/2015. Diversos procedimentos visando esclarecer dúvidas e agilizar seu trâmite estão sendo realizados.
Uma destas diversas iniciativas para esclarecimento da população em geral e dos parlamentares é o debate organizado pela Comissão Especial sobre Medicamentos Formulados com Cannabis que reunirá especialistas e representantes da sociedade civil para debater o assunto em reunião técnica que será realizada no dia 01 de setembro.
O encontro será uma audiência pública online. Entre os convidados estarão representantes de órgãos governamentais, de instituições religiosas, médicos, pesquisadores, associações que defendem o uso dos medicamentos, bem como pais e mães de crianças que dependem e fazem uso de remédios produzidos a partir da cannabis.
Nesta reunião, o relator da proposta, deputado Luciano Ducci (PSB/PR), fará a leitura da minuta do seu parecer.
O debate será dividido por grupos de convidados e temas e transmitido ao vivo pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube, a partir das 10h.
Confiram a programação completa:
10h – Abertura – Deputado Paulo Teixeira (PT-SP)
10h10 – Leitura da Minuta – Deputado Luciano Ducci (PSB-PR)
1º Bloco
10h30 – ex-diretor da Anvisa William DIB
10h40 – Delegado da Polícia Federal Marcos Paulo (a confirmar)
2ºBloco – Mães, Pais e Associações
3ºBloco – Representantes de instituições religiosas
11h40 – Deputado Estadual Luiz Fernando Teixeira (PT-SP)
11h45 – Deputado Distrital Rodrigo Delmasso (Republicanos)
11h50 – Padre Ticão
13h30 – Reabertura – Deputado Paulo Teixeira e jornalista Tarso Araújo
13h45 – Representante da OAB, Rodrigo Mesquita
4ºBloco – Médicos
13h55 – Dr. Ricardo Ferreira
14h – Dr. Leandro Ramires (a confirmar)
14h05 – Dra. Carolina Nocetti
14h10 – Deputado Eduardo Costa (PTB-PA) – Médico
5ºBloco – Cultivo
14h20 – Dennys Zsolts
14h25 – Sérgio Rocha
14h30 – Roberto Vieira (Embrapa)
6ºBloco – Farmácia Viva
7ºBloco – Pesquisa
15h10 – Fabrício Pamplona
15h15 – Margarete Akemi
8ºBloco – Setor regulado
15h25 – ABIQUIFI
15h30 – INDEOV
15h35 – LAIHA
15h40 – IPSEC
16h – Encerramento